Quase dois meses depois de ter alargado o quadro social com a admissão de duas rotárias – Alexandra Ribeiro e Benilde Teixeira –, numa cerimónia que contou com a presença do Governador do Distrito 1970, Bernardino Pereira, o Ratory Club Gaia-Sul promoveu, no passado dia 6, um evento que não podia ter mais actualidade: uma palestra em Gaia proferida pelo bastonário da Ordem dos Advogados, subordinada ao tema «O Estado da Justiça em Portugal». As conclusões são inequívocas: “Se a justiça não está bem, o País não pode estar bem”, defende Marinho Pinto.
Mesmo debaixo da alçada do Conselho Superior (CS) da Ordem dos Advogados, que lhe instaurou um procedimento disciplinar em virtude de uma queixa apresentada pelos advogados da Casa Pia por declarações do bastonário sobre o processo que está em fase de julgamento, Marinho Pinto não deixa de dizer o que lhe vai na alma.
Aliás, à entrada para o jantar do Rotary Club Gaia-Sul, no passado dia 6, na Arrábida, em que era convidado de honra da organização presidida por Francisco Espinhaço, também advogado de profissão, o sucessor de Rogério Alves na liderança da OA deu logo o mote: “Há muitos retrocessos nas liberdades e é preciso combater com respeito e pedagogia uma cultura retrógada” instalada na Ordem dos Advogados, para que esta seja “uma instituição aberta à modernidade, à liberdade de expressão e à Democracia, o que hoje não acontece”.
Uma vez mais, Marinho Pinto não esteve com «papas na língua». E, antes de o jantar com rotários do distrito do Porto começar, disse ao que ia: apontar, com a coragem que lhe é reconhecida, o que está mal na Justiça em Portugal. O «aperitivo» parece ter aberto o apetite dos rotários, que, na casa dos oito dezenas, ficaram do princípio ao fim a ouvir Marinho Pinto.
E, no fim, ainda o interpelaram, a maior parte dos quais rendida às opiniões de um bastonário que, para Francisco Espinhaço, já ficou na história da Ordem, ou não tivesse sido o bastonário que mais votos alguma vez teve numa eleição para o representante dos advogados junto dos órgãos de soberania.
Por razões bem distintas da reunião 882, a primeira do ano de 2008, a 889 do Rotary Club Gaia-Sul também foi de festa. E de discussão. Em torno de um dos pilares do Estado de direito: a Justiça. Antes, cumprido o ritual rotário de apresentação da mesa, composta não apenas pelo bastonário e por Francisco Espinhaço, como também por Irene Espinhaço, Mário Fontemanha, vereador da Câmara em representação de Luís Filipe Menezes, Teresa Fraga, governadora assistente do governador do Distrito 1970, Guilherme Figueiredo e Elisabete Granjeira, presidente e vice-presidente do Conselho Distriral da Ordem dos Advogados, respectivamente, o presidente do Conselho Director deu as boas-vindas a todos os rotários e, findo o jantar, abriu mesmo as hostilidades, ao considerar que, “quando falha a justiça, falha tudo”. O mote estava dado.
Nascido há 58 anos na freguesia de Vila Chã, no concelho de Amarante, António Marinho e Pinto foi directo ao que o trouxe a Gaia: “O que venho dizer é que a Justiça tem de assentar em três pilares fundamentais: nos juízes que dizem o Direito – função jurisdicional –, no Ministério Público, representante dos interesses do Estado na administração da Justiça, quer enquanto titulares exclusivos da acção penal, quer enquanto garante da legalidade democrática, e ainda na representação dos cidadãos, cuja função cabe aos advogados e é, provavelmente, a mais importante de todas”. As três, fez questão de deixar claro, “têm a mesma dignidade jurídica”.
O primeiro alvo do bastonário foram os juízes e os tribunais, com Marinho Pinto a considerar que “tudo nos tribunais está organizado em função dos privilégios e comodidades de quem lá trabalha”, o que se traduz numa “cultura de arrogância e de prepotência que maltrata os cidadãos”. Para Marinho Pinto, o diagnóstico está feito: “A justiça não tem donos, mas servidores”.
Outro “grave problema” que, segundo Marinho Pinto, corre o risco de se verificar em Portugal é o fenómeno da desjudicialização da Justiça, em virtude de uma selvática tendência do Estado para “entregar tudo a privados”, como aconteceu, por exemplo, com a acção executiva. O bastonário não tem dúvidas: “Hoje, em Portugal, não se cobra uma dívida, a não ser quem tenha muito dinheiro”.
Ainda para o sucessor de Rogério Alves na liderança da OA, a criação dos Julgados de Paz vem na esteira da lógica seguida pelo Estado de “afastar os advogados da administração da Justiça”, por razões que o bastonário considera serem “primárias e economicistas”.
Depois de condenar o clima existente entre as duas polícias em Portugal, a de investigação criminal e a de segurança, que “se digladiam”, Marinho Pinto socorreu-se da História para defender que “está legalizada a tortura em Portugal, como a inquisição”, numa alusão ao processo relativo a Leonor Cipriano, mãe da menina algarvia de 12 anos que desapareceu em 2004, vítima de agressões que vão ser julgadas em tribunal e que implicam cinco inspectores da Polícia Judiciária que investigaram o caso, um dos quais o ex-coordenador da investigação criminal da PJ de Portimão, Gonçalo Amaral, afastado do cargo em virtude de declarações proferidas no âmbito do «Caso Maddie». “Quem está preso? Os pobres”, declarou.
E, quando da plateia lhe perguntaram o que mudaria em primeiro lugar se tivesse o condção de desviar o rumo aos acontecimentos em Portugal, Marinho Pinto foi peremptório: “Se tivesse uma varinha mágica, talvez interroga-se este povo. Somos um povo de grandezas e misérias. Mas, como dizia Guerra Junqueiro, já nem com as orelhas somos capaz de sacudir as moscas. Não há um acto de revolta popular e democrática”, lamentou.
De volta à Justiça, o bastonário da Ordem dos Advogados não hesitaria em “acabar com o Centro de Estudos Judiciários”, mais do que convencido de que o CEJ “não forma magistrados, mas majestades”. Sem «papas na língua», Marinho Pinto defendeu também uma “cultura de responsabilidade dos magistrados”, por considerar que “não pode haver República sem responsabilidade judicial”.
Em jeito de despedida, o bastonário denunciou ainda o “clima de medo” que se vive na “sociedade portuguesa”, o qual classificou mesmo de “o principal inimigo da mudança” que se impõe, disposto a dar o exemplo e a fazer uso de um direito que nem a PIDE conseguiu calar: o direito à liberdade de expressão.
Ainda antes de o presidente do Conselho Consultor dar por terminada a reunião dos rotários, o Rotary Club Gaia-Sul ofereceu uma lembrança a Marinho Pinto pela passagem por Gaia, entregando ao bastonário dos advogados uma estatueta símbolo da caridade, ou Gaia não fosse a capital da estatuária em Portugal.
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Hoje falamos de acidentes:
ACIDENTES GRAVES: recomenda-se especial cautela às vítimas de acidentes graves antes de assinar qualquer acordo com as empresas de seguros. Relembramos que as indemnizações podem ser aumentadas significativamente.
ACIDENTE DE TRABALHO E VIAÇÃO: o lesado tem direito a duas indemnizações complementares
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