quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Anabela gostava de cantar em Timor

ANABELA QUER VOLTAR A GRAVAR, MAS, PARA JÁ, SÓ TEM OLHOS PARA MUSICAIS

Sinto-me feliz assim

Católica, não vai à missa, mas marca, não raras vezes, presença na igreja, principalmente antes das estreias dos espectáculos. Quando entra em palco, benze-se, mas não é supersticiosa. Não fuma, é apartidária e gosta de futebol. Adepta do Sporting, torce também pela Selecção Nacional, de cachecol ao pescoço nos estádios de futebol. Aos 32 anos, é já uma certeza do teatro musical português, mas foi ainda com 16 anos que, como confessa ao AUDIÊNCIA, partiu a loiça, quando, em 1993, passou a ser conhecida do grande público com a vitória no Festival RTP da Canção. Década e meia depois, Anabela é «Maria» no musical de Filipe La Féria, o quarto que faz desde o baptismo com «Jasmim ou o Sonho do Cinema», numa aposta que, assume, “é para manter”. Sem gravar há três anos – o último trabalho chamava-se Aeter –, Anabela não perde de vista a oportunidade de lançar um novo disco, o que deve acontecer quando «Música no Coração» chegar ao fim no sempre esgotado Teatro Rivoli. “Estou a começar a reunir repertório e a ver qual a sonoridade que quero”, levanta a ponta do véu a cantora/actriz, deixando ainda descair que o novo projecto “talvez tenha um cheirinho a Fado”. “Feliz” por se manter em actividade “com um ritmo de espectáculos que não é nada comum em Portugal”, mergulhado numa crise que asfixia a iniciativa cultural, Anabela dá graças a Deus por se ter cruzado com Filipe La Féria há mais de 15 anos, quando ainda achava que “o Fado era para velhos”, quase considerado um pai para a também psicológica que "gostava de cantar em Timor", ou de abraçar uma causa humanitária num qualquer pais de expressão portuguesa.

Por Jorge Carvalho

É a primeira vez que faz um musical no Porto?
Não. A primeira vez foi com ‘My Fair Lady’, no Coliseu. É, portanto, a segunda vez, mas está a ser diferente, porque estou a viver no coração do Porto. Da última vez, fiquei em Santa Maria da Feira e não tinha tanto contacto com as pessoas do Porto como agora.

Conhecem-na na rua?
Conhecem.

Mais do que em Lisboa?
Julgo que sim. Pelo menos, abordam-me mais vezes do que em Lisboa.

Também acha que o musical está melhor no Porto do que em Lisboa?
Acho que o espectáculo está, de facto, diferente. Se calhar, para melhor. O elenco também é diferente. Houve aspectos que foram mais valorizados, nomeadamente no segundo acto.

Está mais refinado?
Está. Mas, em Lisboa, também havia coisas de que gostava muito. Do meu ponto de vista, o espectáculo está mais emotivo no Porto.

Há mesmo uma versão do Porto e outra de Lisboa?
Houve, de facto, alterações no espectáculo de Lisboa para o Porto. Não foram muitas, mas as introduzidas valorizaram a peça.

O público do Porto também já se rendeu?
Tem corrido muito bem, de facto. Foram muitas pessoas do Porto a Lisboa ver o musical e fico surpreendida ao constatar que os espectáculos estão sempre esgotados. Para os actores, não há nada melhor do que ter o Rivoli com sala cheia.

Veio mesmo para o teatro para ficar?
É uma aposta para manter. Já trabalho com o Filipe La Féria há 15 anos. Comecei na ‘Grande Noite’, na televisão, e fiz ainda ‘Jasmim ou o Sonho do Cinema’, um musical infantil, ‘Amália’, quando a peça se estreou no Funchal - em Lisboa, já não participei -, ‘My Fair Lady’, ‘Canção de Lisboa’ e ‘Música no Coração’.

Prefere o teatro à música?
Nos últimos tempos, tenho estado mais envolvida em projectos de teatro. A nível individual, por exemplo, o meu último disco, que se chama Aeter, foi lançado em 2005. Não gravo nada há três anos, mas já estou a começar a pensar num disco novo.

Também a solo?
Sim. O teatro parece, de facto, estar sempre em primeiro lugar.

E não está?
Inevitavelmente, está. Tenho sido sempre convidada pelo Filipe La Féria e o teatro absorve o tempo todo. Não sobra nada para dar à minha carreira enquanto cantora. Mas sinto-me feliz assim. Não estou, de maneira nenhuma, insatisfeita por não ter mais êxito como cantora, por exemplo.

Afinal, assume-se como actriz, ou cantora?
Assumo-me como cantora. Mas, logicamente, o meu trabalho tem sido de actriz. Agora, em primeiro lugar, está a cantora e, depois, a actriz.

E é mais conhecida como actriz?
Apesar de tudo, julgo que sou mais conhecida como cantora.

Porquê?
Porque as pessoas ainda me vêem como a miúda que ganhou o Festival da Canção. E, nos musicais, também canto, razão pela qual a minha imagem está fortemente marcada pela música.

E pelo Festival da Canção.
Foi o momento em que o grande público passou a conhecer-me. Tornei-me, de facto, popular. A música foi um fenómeno. Ainda hoje se canta. Portanto, estarei sempre ligada ao Festival da Canção. Foi o meu trampolim.

O que vai ser o novo projecto a solo?
Estou ainda a começar a reunir repertório e a ver qual a sonoridade que quero. Não vale a pena estar a adiantar mais.

Vai ter Fado?
Talvez tenha um cheirinho de Fado. Mas não será só Fado. Vai partir muito do repertório e da sonoridade, que não estão sequer definidos.

Quando vai ser lançado?
Não faço ideia.

Será sempre depois do fim de «Música no Coração»?
Sim. Só vou dedicar-me ao disco quando acabar a minha participação no musical.

Qual dos musicais mais gostou de fazer?
Fiz musicais muito diferentes, mas o ‘My Fair Lady’ deu-me um especial prazer. Não tinha praticamente experiência nenhuma de representação e o papel era muito exigente. Foram três meses de muito trabalho, mas acho que consegui evoluir como actriz. E era muito divertido. Para mim, foi dos espectáculos mais bonitos que o Filipe La Féria fez.

Musicais, só mesmo com La Féria?
Não há praticamente mais ninguém a fazê-los.

E devia?
Devia. Com o ritmo do Filipe La Féria e com a dimensão dos seus espectáculos, não há ninguém em Portugal. Neste momento, tem quatro peças em palco ao mesmo tempo. É obra. Não há coragem, nem dinheiro para outros se aventurarem.

Por falta de apoios?
É uma coisa dramática para os artistas. A nível cultural, não tenho esperanças de que isto mude. Julgo mesmo que a tendência será para piorar. O dinheiro para a Cultura é cada vez menos. São tudo produções de baixo custo. Só posso mesmo agradecer a Deus e a todos os que me apoiaram, nomeadamente ao Filipe La Féria, que me tem permitido manter em actividade com um ritmo de espectáculos que não é nada comum em Portugal.

Filipe La Féria é como um pai para si?
Não. Graças a Deus, ainda tenho pai. Para mim, Filipe La Féria é um génio. Foi alguém que me ensinou muito e apostou em mim. Foi, indiscutivelmente, a pessoa que mais me ensinou a fazer teatro. Tudo o que sei de teatro devo-o a ele. Conhece-me muito bem. É alguém fundamental na minha carreira. Genial, com quem dá prazer trabalhar. Tem uma criatividade sem limites. E uma grande paixão pelo teatro. Ele ama o que faz. Filipe La Féria é único.

Está a construir a carreira que sempre quis?
Nunca pensei muito nisso. Já quando era miúda, gostava muito de representar, mas nunca tive oportunidade de experimentar, mesmo num teatro amador. Fui cantando e gravando até aparecer o Filipe La Féria, que me puxou para o teatro. O ‘Jasmim ou o Sonho do Cinema’ foi o primeiro espectáculo em que participei. Foi giro. Tinha 16 anos e apareci no meio de gente adulta e com provas mais do que dadas. Cheguei e parti a loiça. As pessoas mais velhas têm um grande apreço por mim. Ainda hoje, têm um carinho por mim que me enche de orgulho. Parece que não me vêem crescer. Sinto-me uma privilegiada. A realização que tenho diariamente de poder cantar, de poder representar e de poder ganhar dinheiro com a minha voz é um privilégio. Assim como é um privilégio fazer um espectáculo com a grandeza de ‘Música no Coração’. O resto é triste, mas é o que Portugal tem para dar.

Antes de fazer «My Fair Lady», quase desapareceu. Porquê?
Andei dois anos e meio em ‘tournée’. Fiz uma digressão mundial com o Carlos Nuñez, que chegou a estar no top com um tema em que eu também cantava. Por isso, durante dois anos e meio, não cantei cá. Ia todos os fins-de-semana para Madrid, Barcelona, Austrália, Bélgica, ou Alemanha.

Gostou da experiência?
Adorei. Foi uma experiência única.

E tirou dividendos comerciais da presença no mercado espanhol?
Acho que não aproveitei.

Porquê?Porque o Filipe La Féria convidou-me para fazer o ‘My Fair Lady’ e eu aceitei. Se o disco tivesse saído na altura em Espanha, as pessoas já me conheciam e teria sido bom. Não gravei de imediato - só o fiz em 2005 - e a oportunidade perdeu-se. Ainda fiz quatro espectáculos em Espanha, mas, se fosse logo a seguir ao sucesso que tive com o Carlos Nuñez, teria tido mais força.

Gostava de repetir?
Gostava.

Quem mais admira na música?
O primeiro artista que comecei a ouvir foi Roberto Carlos. Adorava-o. Ouvia ainda Zeca Afonso, Rui Veloso, Nela Deira, Dulce Pontes. E também Xutos e Pontapés, que era o que se ouvia na altura. Não é uma referência, mas gosto. E também gosto muito de Sétima Legião.

E estrangeiros?Gosto de Harold Fitzerald, Sarah Vaughn e Sting.

Sempre gostou de Fado?
Não. Quando era miúda, achava que o Fado era para velhos. Mas, quando comecei a contactar com fadistas e com o mundo do Fado, apaixonei-me.

Foi por acaso que se cruzou com o Fado?
Foi. Tinha 12 anos e a minha mãe levou-me à ‘Grande Noite do Fado’, em 1989, porque era um grande acontecimento na altura e alguém podia reparar em mim. Fui e ganhei.

E não queria ir?
Não. Fui quase obrigada. Mas ainda bem que fui. Comecei a gravar discos e nunca mais parei. E conheci fadistas como Fernando Maurício, ou Amália.

Conviveu com Amália?
Conheci apenas. Não frequentei a casa.

E interpretou-a.
Adorei.

Sentiu-se Amália?Um bocado. É muito difícil interpretar uma personalidade como Amália. Mas acho que correu bem. As pessoas emocionavam-se.

Viu ‘Jesus Cristo Superstar’?
Vi. Em Lisboa.

O que achou?
Dizem que estava melhor no Porto. Mas gostei.

Nunca fez cinema?
Não. E, em novelas, tive apenas uma pequena participação, em ‘As Cinzas’. Tinha 13 anos. Gostava muito de voltar. É um mundo giro, diferente do teatro. Ainda que obrigue a sacrifícios muito grandes. É outra escola.

Sente-se ainda uma promessa ou já uma certeza no panorama musical e do teatro?
Acho que já fiz alguma coisa. Claro que sinto que tenho ainda muito para fazer e para evoluir, mas considero-me alguém que já tem trabalho feito. Nesse sentido, já não tenho nada a provar. Agora, temos sempre necessidade de provar alguma coisa, nem que seja que estamos vivos e que temos capacidade. Mais importante, para mim, é estar sempre a ultrapassar-me e a surpreender-me. No meu tempo, tudo tinha a ver com o valor das pessoas. Hoje em dia, tem mais a ver com a máquina e com a produção. Qualquer pessoa pode gravar um disco. Hoje, as pessoas são bombardeadas com aquilo que se quer vender, quando, antigamente, era o público que pedia.

Não tem medo de perder a voz?
Não. Mas, se perder, o curso de Psicologia que tirei há-de servir para alguma coisa. Ou, então, vou aprender outra coisa qualquer.

Não está a pensar exercer?
Quem sabe? Acabei o curso em 2001, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada de Lisboa, mas nunca exerci. Agora, sempre quis ser psicóloga. Fui sempre muito observadora e gostava de estudar o comportamento humano. E de ouvir as pessoas e os seus problemas. Na Faculdade, fiquei a perceber que as coisas são mais complexas do que aquilo que eu pensava. Mas sempre tive este lado humanista. Via-me perfeitamente envolvida numa causa humanitária em Angola, ou Timor.

Nunca cantou em Timor?
Não. Mas gostava.

E no Brasil?
Também não. Só cantei em Moçambique e em África do Sul. E na Europa.

DIFERENÇA(S)

Público do Norte é mais verdadeiro

O que mais gosta no Norte?
As pessoas. São afectuosas e hospitaleiras. Gostam de comunicar e conversar. Por exemplo, conversa-se mais no Porto do que em Lisboa. Gosto também da comida. Das paisagens. E do Minho.

Nota diferenças quando actua no Porto, ou em Lisboa?
Com ‘Música no Coração’, não sinto muito, mas, com ‘My Fair Lady’, sentia. A grande diferença é que o público do Norte é muito mais verdadeiro. Se não gosta, não gosta. Mas é muito mais efusivo quando gosta muito.

É de extremos?
Exactamente. Mas já não é novidade para mim. Adoro lisboetas, alentejanos, portuenses… Acho que Portugal é rico pela sua diversidade cultural.


ADEPTA

Estou sempre disponível a ajudar o Sporting

É verdade que gosta de futebol?
É. Sou sportinguista.

E vai ao estádio?
Quando posso, vou.

Também vê a Selecção Nacional?
Vejo. O Sporting não está acima da Selecção Nacional, que representa o meu País.

É adepta, ou mesmo associada do Sporting?
Sou só adepta. Mas tenho dois lugares reservados no Estádio de Alvalade. E porquê? Porque gravei um ‘spot’ promocional para o Sporting. Estarei sempre disponível para ajudar o Sporting.


MOMENTOS

A fé, a igreja e a solidão

Consegue ter vida pessoal?
O lado pessoal fica quase sempre em segundo plano, porque a vida profissional que levo absorve todo o tempo de que disponho, principalmente em período de ensaios. É mesmo raro estar com a família, ou com os amigos. Depois, as coisas acabam por voltar à normalidade. É fundamental estar com a minha família e com os meus amigos. Em termos de relação amorosa, as coisas também não são fáceis, porque nunca paro. Estou a fazer uma coisa e logo a seguir vem outra. Acabo sempre por dar prioridade ao trabalho. Mas tenho a certeza de que chegará o dia em que eu, quando quiser mesmo, vou saber parar.

Não teme a solidão?
Toda a gente teme a solidão. Também tenho momentos de solidão. Temos é que saber geri-los. Por exemplo, gosto de estar sozinha, mas não me sinto só.

Sente necessidade de se isolar?
Gosto de estar sozinha, comigo.

Tem fé?
Tenho.

É católica?
Sou. Mas não pratico. Tenho a minha fé. Não vou à missa, mas gosto de ir a uma igreja.

Antes dos espectáculos?
Não. Às vezes, vou antes de uma estreia.

É supersticiosa?
Não.

Não se benze antes de entrar em palco?
Benzo. Gosto também de orar.

Fuma?
Não.

E também não se mete na política?
Não. Estou apenas atenta às políticas do Governo. Sou apartidária. Estou atenta ao que se vai fazendo e às facadas que nos vão dando.

Era capaz de fazer greve?
Temos uma classe muito pouco unida. Não nos unimos para nada.

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