Um trágico acidente em Maio de 2005, no mesmo dia em que abandonara os Açores com passagem paga pelo ex-portista Bosingwa, deixou-o sem uma perna e impediu-o de fazer aquilo de que mais gosta(va): jogar futebol. Três anos depois do infortúnio lhe ter batido à porta, Sandro Borges já tem os olhos postos em Londres. Motivo: quer ser campeão paralímpico em 2012.
Por Jorge Queirós
Condenado em 2005 a um futuro mais do que incerto, quando teve de amputar o pé esquerdo, vítima de um acidente de viação na Auto-estrada 4, entre Porto e Vila Real, ao lado do «internacional» português Bosingwa, Sandro Borges tomou as rédeas do destino e, já com 24 anos, só pensa mesmo em ser campeão nos Jogos Paralímpicos de Londres. Com a camisola da Selecção Nacional vestida.
“Não treino todos os dias de manhã e à tarde por acaso”, confessa o jogador formado nas camadas jovens do Boavista, disposto a “levar muito a sério” a corrida por uma presença na capital britânica, em 2012.
“Quero ser campeão olímpico”, diz mesmo Sandro Borges, com a convicção de quem já ganhou um Campeonato: o da força de viver, aos 20 anos, quando ainda sonhava ser profissional de futebol e seguir as pisadas de Bosingwa.
Depois do “choque” que foi ficar sem o pé esquerdo, aquele que tantas alegrias lhe deu nas camadas jovens do emblema do Bessa e, já sénior, no Ermesinde e n’Os Minhocas, dos Açores, o jovem avançado nunca teve dúvidas que a única solução era “reagir” e “pôr os pés a um outro caminho” que se lhe abrisse.
“Sou um coitadinho apenas porque não tenho uma perna?”, questiona-se retoricamente Sandro Borges, para, sem perder tempo, dar a resposta, preparada na ponta da língua: “Não tenho uma perna, mas estou cheio de força e de saúde. O mundo pode ver-me como um coitadinho, e a todos os outros que, por qualquer azar de vida, ficaram deficientes, mas eu não me sinto assim”.
Mais: “Mesmo sem um pé, acho que faço hoje mais coisas do que fazia quando tinha os dois, menos jogar futebol profissional”. Portanto, remata a ex-promessa do futebol português, “detesto que me chamem coitadinho. Se o fosse, não ia para a discoteca de muletas, ou de prótese, e também não andava na rua de calções”.
Corajoso quanto baste, Sandro Borges cedo também percebeu que tinha de não apenas combater a tristeza que de si havia tomado conta, mas também descobrir uma actividade que lhe compensasse a falta de… exercício físico. “Estava a dar em louco. Não a queixar-me da vida, mas por força da ansiedade que tinha. Precisava de fazer alguma coisa, para conseguir dormir. Pior do que tirar a perna, foi mesmo conseguir dormir”, relembra.
E explica: “O mais difícil era a noite. Tinha o sonho de ser profissional de futebol e acho que, nos primeiros tempos, joguei em todos os grandes clubes do Mundo. Em sonho. Sonhava, sonhava, sonhava”. Solução, paliativa: “Fui a um psiquiatra”.
Quatro anos volvidos, Sandro Borges conta que o profissional na área da saúde mental o aconselhou “a uma dose de medicamentos que, pura o simplesmente”, o iam deixar “sedado”. Para “aguentar tudo”, diz, em tom jocoso. Rejeitou.
“O que disse ao psiquiatra foi que a única coisa de que precisava era ficar cansado”, lembra. Objectivo: dormir. Sem sonhar. “Se me cansasse de dia, iria, com certeza, ter um sono mais pesado e não sonharia tanto”. Remédio santo.
Sem uma perna, mas com saúde para «dar e vender», começou a treinar-se bidiariamente numa cadeia de ginásios em Gaia e a ser acompanhado por um especialista em «coaching», técnica que consiste em transformar intenções em acções, através de um processo que alimenta, do ponto de vista neurológico, os valores do «coachee». Os sonhos desapareceram.
Ou melhor, os sonhos irrealizáveis. Hoje, a natureza do que sonha é (bem) diferente. E à distância de quatro anos. “Gostava de criar uma Associação de Amputados em Portugal, mas o maior sonho é mesmo participar nos Jogos Paralímpicos e ser campeão em ciclismo”, reafirma Sandro Borges, já adaptado às próteses especialmente concebidas na Holanda. Por medida.
Aliás, Sandro é mesmo uma espécie de cobaia da marca que fornece os mais conhecidos desportistas deficientes, como o sul-africano Oscar Pistorius, que, mesmo sem duas pernas, quis correr os 400 metros nos Jogos Olímpicos de Pequim.
“Não há lançamento internacional de novos materiais sem antes eu os experimentar”, sublinha, acrescentando que, no início, “os técnicos holandeses ficavam surpreendidos” com o facto de o antigo futebolista ter “partido algumas próteses”. Não que o material fosse deficiente, mas antes pela “força… de vontade” que Sandro Borges em cada exercício punha com o objectivo confesso de um dia atingir a glória que uma rasteira da vida não quis que fosse a fazer aquilo de que mais sente falta: a bola. De futebol.
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